sábado, 4 de junho de 2022

.: Capítulo 1: "Aurora" em "Quando eu fui embora"

Por: Mary Ellen Farias dos Santos

Em junho de 2022


Era hábito, sempre respondia "igual aos outros" quando alguém lhe perguntava sobre como havia sido o dia. Ok. A verdade é que nas reuniões de grupos, por menores que fossem, ela era a que ficava mais calada. Assim, adotou como fuga um parceiro que só precisava estar carregado e com franquia suficiente de dados: o celular. 

A verdade é que aquele dia não era mais um para ela rotular como mais um "igual aos outros". Aurora estava saindo de um grupo de idade e mudando para outro. Estava completando 40 anos. A princípio, tudo acontecia dentro dos padrões a que ela estava habituada. 

Enquanto dirigia até o centro da cidade, lembrou-se de ter deixado em cima da mesa da cozinha o último CD da Katy Perry. Pois é! Então fez o que o título do álbum indicava: Sorriu. Era da velha guarda, ainda curtia comprar os discos prateados das suas cantoras favoritas, e a norte-americana, a mãe da Daisy, estava na lista das cinco mais amadas, ao lado de Mariah Carey, Shakira, P!nk e Whitney Houston.

O expediente do banco, ainda acontecia, quando passou numa agência para conferir o saldo no caixa. Na tela constava R$ 13,31. Sabia que teria de cobrar o RH do jornal por tal equívoco. Mais uma vez. Chato e desgastante. O pior seria esperar mais alguns dias até o valor finalmente cair em sua conta, com atraso, claro.

- Parece que não existe pix, mas se fosse eu que atrasasse algo... - resmungou a aniversariante.

Enquanto se afastava da máquina e guardava  o cartão no compartimento correto da bolsa, sorriu. Lembrou-se de que tinha dormido com a parte de cima do "babydoll" do avesso. Quando notou que estava prestes a deixar escapar uma risadinha a ponto de alguém ali ouvir, segurou-se.

Ao cruzar a porta de vidro para a calçada ouviu um barulho forte vindo da esquina. Parou e rapidamente localizou o ponto daquele caos. Um homem abriu a porta do carro sem olhar e derrubou um motoqueiro. Ao longe observou a cena. A demora do causador do problema em sair do veículo estacionado e oferecer ajuda fez ecoar, na mente dela, novamente o som da portada e da moto em queda raspando no chão.

Instintivamente, Aurora sentiu um dos joelhos. Certa vez, andando ao lado do marido, por uma das adjacências da Rua 25 de março, levou uma portada de uma infeliz que não olhou antes de sair do veículo também estacionado. 

- Outra toupeira por aqui e fez um estrago feio. Era um entregador em baixa velocidade, mas o empurrão foi suficiente para levá-lo ao chão, com a motocicleta. - pensou Aurora enquanto olhava a presepada. 

O causador, bateu a porta de volta, enquanto que pedestres correram para levantar o rapaz que era bastante miudinho. Quando a situação estava sendo remediada, o "derrubador de motoqueiro" veio até o acidentado.

Como era dia de aniversário, ela precisava chegar na casa dos pais que a esperavam para o lanche da tarde. Recebeu abraços, beijos e mais uma vez a mãe relatou como estava o dia em que Aurora nasceu e como ela era vermelha no rosto, por ter nascido antes do tempo.

Antes de escurecer e chegar a tempo de o marido voltar do trabalho, ela pegou o carro para voltar para casa. 

O dia estava bastante nublado e passou a chover quando aquela "aguarada" foi aumentando torrencialmente. Com o limpador de para-brisa na velocidade máxima, na via toda aquela água parecia uma lâmina jorrando ao passar com os pneus. Com a atenção toda voltada ao espaço de visão que estava menor, os vidros do carro começaram a embaçar, notou que o caminho estava interditado. 

Pensou que antes de a selfie receber esse nome, quem empunhava uma máquina fotográfica, mesmo as com filme fotográfico, já tirava selfie, embora não tivesse tal nome. Quem nunca ousou tirar uma foto de si naquela época, mesmo que de modo atrapalhado, sem ter ideia de como seria a foto quando revelada?! Muitos caíram na tentação, sim!

Com o pensamento embaralhando, após passar a flanelinha para ampliar a visão pelo vidro dianteiro do carro, sentiu um solavanco seguido de um som seco e alto. Viu a pista em rodopio e um som final.

Smash!!


*Editora do portal cultural www.resenhando.com. É jornalista, professora e roteirista. Twitter: @maryellenfsm


.: Capítulo 2: "Aurora" em "Nunca realmente acabou"

When I´m Gone, Katy Perry


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