quinta-feira, 17 de julho de 2025

.: Sotaque, sangue e subversão: a arte viva de Isabela Quilodrán


Por 
Helder Moraes Miranda, especial para o portal Resenhando.com. Foto: Django Sibley

Isabela Quilodrán não é apenas uma atriz em ascensão, mas uma autora do próprio destino. Ela não nasceu para os papéis secundários, tampouco para as molduras pré-fabricadas de uma indústria que ainda tenta, de tempos em tempos, definir quem pode ou não ser protagonista. É uma artista que nasceu em solo brasileiro, tem sangue chileno pulsando sob a pele e uma carreira que corta continentes como quem avança no palco com um monólogo incendiário.

Da Record TV às tábuas de Shakespeare, dos palcos independentes do Fringe Festival à selva burocrática dos festivais internacionais, Isabela Quilodrán não pede licença - ela acende as luzes e se posiciona no centro para falar. Com um sotaque que é misto de alma e resistência, carrega no corpo o traço de um tempo novo, em que a atriz também escreve, produz, dirige e, principalmente, ousa. E não é qualquer ousadia: é latino-americana, feminista, intensa e autoral - uma combinação explosiva que Hollywood ainda tenta decifrar com legendas em atraso.

Na entrevista a seguir, exclusiva para o portal Resenhando.com, Isabela fala sobre a trajetória entre o teatro clássico e o cinema de gênero, a solidão dos bastidores, o glamur nada glamuroso das premiações, os sustos e fantasmas que alimentam seus roteiros, e as ideias perigosas que costuma ter no silêncio das coxias. O tom é direto, reflexivo e, por vezes, desconcertante, assim como o talento dela.


Resenhando.com - Em uma Hollywood ainda viciada em estereótipos, como é carregar um nome latino de sonoridade poética e, ao mesmo tempo, recusar-se a interpretar a “doméstica caliente” ou a “traficante de coração mole”?
Isabela Quilodrán - Dá muito orgulho carregar esse nome justamente porque sempre se impressionam comigo. Sempre me perguntam de onde sou, porque nunca têm certeza. Brasileiro, na cabeça do estrangeiro, tem um visual muito diferente, então, quando me perguntam, eu explico a mistura com muito orgulho. Sobre os papéis, geralmente sou estereotipada como a "sexy", o que me incomoda. Porém, sei que isso sempre vai acontecer. Não recuso papel pelos estereótipos, recuso mais pela história: o que quero passar? Vai me desafiar? Isso é o que mais me move. Penso que, se me derem o espaço para brilhar, eu vou brilhar. E também vou atrás dos papéis que têm algo a dizer, para provar que sou mais do que o estereótipo em que me colocam.


Resenhando.com - Você estudou Shakespeare e Molière em inglês, mas cresceu ouvindo português e espanhol. Quando o palco exige de você intensidade, qual dessas línguas grita mais alto dentro de você?
Isabela Quilodrán - Português. Sempre português. Nossa língua é tão rica! Temos tantos ditados, gírias e palavras que só existem no português e que fazem tanto sentido... Então, quando me dá vontade de falar algo que vem das profundezas do meu ser, o português é o que grita mais alto.


Resenhando.com - Já que você atua, escreve e produz, diga com sinceridade: qual das três funções mais testa sua vaidade - e qual a salva dela?
Isabela Quilodrán - Produção é a que mais testa minha vaidade, com toda certeza! Parece até irônico, mas na produção lidamos com muita responsabilidade e poder - um produtor tem, muitas vezes, a decisão final. A que me salva dela é a atuação. Criar um personagem baseado no texto é uma mistura perfeita de caos e entrega. É se perder para renascer, e é o que me reconecta comigo mesma.


Resenhando.com - “Audition” e “Feast” têm tons sombrios e psicológicos. Você tem medo de quê - e como transforma isso em matéria-prima para o cinema?
Isabela Quilodrán - Nossa, acho que todo mundo tem muitos medos. Eu tenho fobia de aranhas. Poucas foram as vezes em que acessei esse medo para um personagem - eu evito trazer muito de mim para eles. Prefiro criar do zero e existir naquela vida imaginada, descobrindo dentro dela os medos e paixões.


Resenhando.com - Você já interpretou reis, loucos, fantasmas e mártires no palco. Mas e fora dele? Qual foi o papel mais difícil que a vida a forçou a improvisar?
Isabela Quilodrán - Fora dele, acho que o papel mais difícil ainda é ser você mesmo e tentar ser fiel às suas origens e à sua própria autenticidade. Um papel que a vida me forçou a improvisar é esse papel social. Sempre me vi muito dividida por ser brasileira e chilena. Sempre ouvi muitos comentários sobre como foi crescer numa casa com duas culturas semelhantes em muitos aspectos, mas também muito diferentes. Acredito que ainda luto muito com isso - minha família no Brasil não entende muito a do Chile, e vice-versa. Vivo no meio de dois mundos que, muitas vezes, colidem.


Resenhando.com - O circuito de festivais é uma vitrine ou uma selva? Já foi mordida por algum tapete vermelho?
Isabela Quilodrán - Festival é definitivamente uma vitrine. Uma vitrine selvagem. Pensa bem: você vai para um evento onde tem diretores, produtores, executivos, atores... é uma loucura só! E você se vê fazendo entrevistas, vendo gente conhecida ganhando espaço - é uma mistura de sensações incríveis. É um ótimo lugar para fazer networking e mostrar todo o seu carisma e potencial. Sim! Nossa, lembro de um evento em que eu estava me sentindo minúscula porque tinha tanta gente incrível que vi na TV e no cinema desde nova... Eu não conseguia acreditar que eu, lá do Brasil, estava no meio dessa galera. Nunca vou esquecer como foi ver Javier Bardem, Kevin Costner e Ebon Moss. Juro, até hoje fico boba!


Resenhando.com - Ao estudar na tradicional Stella Adler, você bebeu da fonte de ícones como Marlon Brando e Judy Garland. Há espaço, nesse olimpo, para uma atriz latino-americana com sotaque e cicatrizes?
Isabela Quilodrán - Nossa, tem muito espaço! A indústria está fazendo de tudo para mostrar esse espaço. Ainda é difícil, mas é muito possível, e eu parto do princípio de que nada é impossível. Eu coloquei na minha mente que vou levar o Brasil e o Chile para o mundo. E estou nessa missão até hoje - e seguirei até conseguir.


Resenhando.com - O que mais move você: a raiva contra o apagamento latino em Hollywood ou o desejo de ocupar a cena com outra narrativa possível?
Isabela Quilodrán - Raiva nunca me moveu. Meu desejo de ocupar a cena com a minha narrativa, com a visão de quem foi ganhando espaço aos poucos, é muito mais gostoso e interessante do que lutar contra algo que já aconteceu. Quem vive de passado é museu, e eu uso o conhecimento do passado que tenho para mostrar, para quem não sabe, como é ou como pode ser daqui para frente. Vamos mudar a mente dos outros para melhor, e juntos a gente faz história - uma nova história.


Resenhando.com - Se a sua trajetória fosse uma peça teatral, qual seria o título e quem você escalaria para interpretá-la em cena?
Isabela Quilodrán - Genial essa pergunta! Nunca pensei muito num nome... Talvez "Confissões de Uma Eterna Estrangeira". E eu interpretaria a mim mesma - não sei se vejo outra pessoa no meu lugar. Digo isso porque sempre busquei representatividade em atores, mas eles não representam exatamente quem eu sou ou de onde eu vim. Sinto falta de poder representar alguém como eu. Essa conversa é longa... São muitos pontos.


Resenhando.com - Você prefere o silêncio das coxias ou o ruído do set? E em qual deles você costuma ter as ideias mais perigosas?
Isabela Quilodrán - Para sempre, o silêncio das coxias. O palco é um lugar de muita entrega, tentativa e erro. A energia que a plateia emana... são muitas variáveis que eu amo e que me dão um prazer enorme. O set é bem divertido, mas não dá para brincar ou interagir tanto como num palco. Num set, você vem com uma ou duas escolhas e decide de acordo com o que o diretor quer. Gravou, é isso. No palco, às vezes, você está no meio de uma fala ou monólogo, tem um insight completamente diferente, descobre algo novo, faz a intenção levemente diferente ou se deixa influenciar pela energia que está recebendo da plateia. O diretor lapida o que tem que ser, mas você vive ele de formas diferentes em cada apresentação. A experiência é bem diferente.

← Postagem mais recente Postagem mais antiga → Página inicial

0 comments:

Postar um comentário

Deixe-nos uma mensagem.

Tecnologia do Blogger.