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sexta-feira, 18 de julho de 2025

.: Entrevista com Edson Aran: Machado, Drácula e outras heresias deliciosas


Por 
Helder Moraes Miranda, especial para o portal Resenhando.com. Foto: arte feita a partir de foto publicada no Instagram @edsonaran.

Imagine o seguinte: Brás Cubas andando distraidamente pelas ruas do Rio de Janeiro enquanto Capitu, mais instável do que nunca, recebe uma visita noturna do conde Drácula - e tudo isso sob o olhar nada complacente de Quincas Borba, que talvez tenha finalmente encontrado um adversário à altura do Humanitismo. Se essa cena parece um delírio febril de um crítico literário viciado em absinto, é porque você ainda não leu "Quincas Borba e o Nosferatu", o novo e audacioso romance de Edson Aran, autor que há anos reescreve, com ironia e precisão, os manuais de estilo da literatura nacional.

Aran - que já foi cartunista, editor de revistas masculinas, roteirista de TV, criador de memes, cronista ácido, conspirólogo confesso e um dos poucos homens que podem dizer que superaram a revista Playboy - volta ao romance com um livro que mistura Machado de Assis, Bram Stoker e um senso de humor afiado como as presas do vampiro em questão. O resultado? Uma obra que desafia puristas, diverte iconoclastas e talvez incomode mortos ilustres.

Nesta entrevista exclusiva para o Resenhando.com, Aran abre o caixão de suas ideias, morde o pescoço dos clássicos e lembra a todos, com irreverência e elegância, que a literatura continua sendo o melhor dos vícios - mesmo quando escrita com sangue e sarcasmo. É uma conversa sem crucifixos nem pudores. Compre o livro "Quincas Borba e o Nosferatu" neste link.


Resenhando.com - Como foi transformar a ironia machadiana em terreno fértil para criaturas das trevas?
Edson Aran - Esse foi um desafio dos mais divertidos. “Quincas Borba e o Nosferatu” é um romance polifônico construído com cartas, diários e notícias de jornal, exatamente como o “Drácula” de Bram Stoker. Só que dois dos narradores - Brás Cubas e Bento Santiago - não são confiáveis. Cubas continua sendo o dândi cínico de “Memórias Póstumas” e entra na história mais por tédio e vaidade, do que para entender a natureza dos fatos. Bentinho é ciumento, inseguro e não tem muita convicção do que presenciou. A mistura do romance gótico de Bram Stoker com a narrativa irônica do Machado reforça o horror da história. Porque, veja bem, “Quincas Borba e o Nosferatu” não é um livro de humor. É uma história de terror com momentos bem-humorados, é outra coisa.


Resenhando.com - Qual foi o limite ético (ou estético) que você precisou ignorar para colocar Brás Cubas e Capitu sob o mesmo teto que um vampiro sedento e aristocrata? A provocação foi literária ou existencial?
Edson Aran - Ao contrário de Capitu, eu sou fiel aos meus amores. Os personagens do Machado estão lá com todas suas características originais. Quincas Borba ainda é o filósofo meio doido que criou o Humanitismo. Capitu ainda é uma mulher sedutora e impulsiva de olhar oblíquo e dissimulado. Bento Santiago ainda é o marido ciumento e melindrado (talvez apenas um pouquinho mais cruel no meu livro do que em “Dom Casmurro”). Escobar é o mesmo Escobar, Sancha é a mesma Sancha e Drácula é o mesmo Drácula. Só Capituzinha, a filha de Sancha e Escobar, é um pouco mais levada no meu livro, mas criança tem que ser levada mesmo.


Resenhando.com - Você acredita que Machado de Assis teria rido ou processado você? E, no Tribunal das Letras, quem seria seu advogado: Kafka, Stan Lee ou Ariano Suassuna?
Edson Aran - Acho que Machado se divertiria muito com “Quincas Borba e o Nosferatu”. Bram Stoker também, por falar nisso. Antes de serem capturados e mantidos em cativeiro pelos acadêmicos, esses escritores produziam folhetins publicados regularmente em jornais e revistas. Era o streaming da época. Se Machado estivesse vivo, ele estaria escrevendo a novela das nove, talvez com Bram Stoker na sala de roteiro. Literatura é pra ser lida, não pra juntar poeira na estante. Tenho a impressão de que Machado gostaria de ver seus personagens ganhando vida numa narrativa contemporânea, mas com raízes na obra que ele escreveu. Eu não ia precisar de advogado, não. Principalmente se fosse o Kafka, que nunca ganhou um processo.


Resenhando.com - No Brasil atual, o que assusta mais: um Nosferatu rondando o Paço Imperial ou a ascensão de políticos que não leem nem bula de remédio?
Edson Aran - Ando bastante desanimado com o Brasil. Quer dizer, deixa eu explicar. Por um lado, sou muito fã da minha geração e acho que a gente mandou e manda muito bem na cultura, no jornalismo e na literatura. Estou com 62, então coloco nessa turma gente como a Fernanda Torres, a Debora Bloch, o Claudio Manoel, o Marçal Aquino, o Renato Russo...não dá pra reclamar, né? Agora, na política, foi um desastre. Fizemos o mesmo que todas as gerações anteriores: falhamos totalmente em tirar o país da estagnação burocrática, política e econômica. Mas olha, você acha que “Quincas Borba e o Nosferatu” não reflete essa melancolia? Achou errado, pois reflete.


Resenhando.com - Você tem um histórico marcante com o humor gráfico e a cultura pop. Quais personagens dos gibis ou da pornografia elegante dos anos 90 você gostaria de ver em um “cross-over literário” nos moldes de Quincas Borba e o Nosferatu? 
Edson Aran - Os quadrinhos vivem fazendo crossover desde sempre, então não tenho muito o que acrescentar não. E a literatura erótica não tem personagens muito marcantes. A não ser que a gente inclua “Drácula” nesta categoria, coisa que faz sentido pra mim. E talvez “Dom Casmurro”, já pensou? Será que Bentinho, no fundo, no fundo, não se excita com a ideia de Capitu se entregar ao Escobar? Será que aquilo tudo não é a fantasia sexual de um seminarista travado? Mas, voltando à pergunta, é bem possível que eu promova outros encontros inusitados no futuro. Será que “Quincas Borba e o Nosferatu” é o início de um multiverso? Quem sabe, quem sabe...


Resenhando.com - Existe alguma personagem da literatura brasileira que você jamais ousaria parodiar? É por reverência, medo ou falta de graça mesmo? 
Edson Aran - O humor é por natureza irreverente. Quando a reverência entra pela porta da frente, o humor sai pela porta dos fundos. Mas eu não faria paródia com o José de Alencar, por exemplo. Eu teria que reler os livros dele e a vida é muito curta. É a mesma coisa com “O Ateneu” do Raul Pompéia, com aqueles paragrafões de cinco quilômetros sem ponto final. Seria divertido zoar isso, mas quem leu esse troço até o fim? Quem ia entender a piada? A paródia é uma forma de homenagem e, quando é bem-feita, também é uma declaração de amor.


Resenhando.com - Você já criou a Telma Luíza, o Romero morto-vivo e até um livro de epitáfios. Quem você gostaria que assinasse seu próprio obituário - e o que gostaria que dissesse? 
Edson Aran - O obituário é um ótimo gênero literário porque o personagem nunca reclama, mas eu prefiro ser autor do que objeto. Já o meu epitáfio está no “Aqui Jaz – O livro dos epitáfios”: “Agora sim... espirituoso”.


Resenhando.com - No seu livro anterior, você brincou de reescrever a história literária brasileira. Se pudesse reescrever a história do jornalismo cultural brasileiro, qual revista você salvaria do esquecimento - e qual apagaria com gosto?
Edson Aran - De muitas maneiras, “Quincas Borba e o Nosferatu” é uma continuação de “Histórias Jamais Contadas da Literatura Brasileira”, só que num outro gênero, o horror. O jornalismo cultural teve bastante coisa interessante: Senhor, VIP, Playboy, Realidade, Oitenta, Pasquim... muita coisa boa. Mas eu não apagaria nenhuma revista da história não. A gente sequer lembra delas, pra quê apagar?


Resenhando.com - Seu livro tem Capitu, mas e Bentinho, foi cancelado, virou coach ou está preso na Cracolândia dos ciumentos anônimos?
Edson Aran - Bentinho foi um homem demasiadamente apaixonado e inseguro. Tudo o que ele fez na vida - largar o seminário, aproximar Sancha de Escobar - foi por causa de Capitu. E aí ele foi traído. Por Capitu e Escobar, seu melhor amigo. E, veja, Bentinho vivia no Rio de Janeiro do Segundo Império, não no Leblon do Terceiro Milênio. A infidelidade na época era um tremendo problema social, principalmente quando era explícita (e o romance é cheio de detalhes sobre isso, todo mundo sabia). Só que a traição de Capitu o tornou um homem demasiadamente cruel, característica eu ressalto em “Quincas Borba e o Nosferatu”. Agora, essa bobagem de que Capitu nunca traiu, que vejo muita gente defendendo, é uma atitude moralista sem-noção. Coisa de seminarista católico, igual ao Bentinho. Como assim, não traiu? Capitu deu sim. Deu muito. E daí? Ela continua sendo uma personagem fascinante, intrigante e apaixonante. Talvez porque tenha pulado a cerca sem medo de ser feliz. Deixa ela, pô.


Resenhando.com - Se fosse possível exumar um autor morto para conversar sobre seu novo romance, quem você traria à vida por uma noite - e o que pediria que ele lesse em voz alta para você e o Drácula?
Edson Aran - Conversei algumas vezes com o Millôr Fernandes, mas ele faz muita falta neste Brasil empacado no tempo. Então eu o traria de volta não apenas por mim, mas pelo país. Também enviaria uma cópia do livro para o Ivan Lessa, claro, que certamente retribuiria com um e-mail econômico, mas cheio de sacadas. Quando escrevi o “Delacroix Escapa das Chamas”, foi o Ivan quem inventou o conceito “um romance em quatro tempos” para um livro de quatro narrativas independentes. E com certeza eu mandaria o livro para o Jô Soares. Com certeza. A gente trocava muitas mensagens nos meus tempos de Playboy e tive a honra de ler “As Esganadas” antes de todo mundo. Eu gostaria muito de ouvir o autor de “O Xangô de Baker Street” sobre “Quincas Borba e o Nosferatu".


quinta-feira, 17 de julho de 2025

.: Resenha: para a família, "Smurfs" tem colorido vibrante e ritmo acelerado

Por: Mary Ellen Farias dos Santos, editora do Resenhando.com

Em julho de 2025


Nova animação de colorido vibrante, musical, mesclada com cenas reais, "Smurfs" (2025), é um reboot divertido dos clássicos personagens azuis de gorro branco. Nas telas da "Cineflix Cinemas", a produção apresenta feiticeiros malvados, sendo que, desta vez o ataque capaz de capturar o Papai Smurf é feito não por Gargamel, mas seu irmão, Razamel. Tentando reverter tamanho abuso, os Smurfs embarcam em uma missão para o mundo real com o intuito de resgatá-lo. 

Assim, os pequeninhos deixam a Vila dos Smurfs e conseguem a ajuda de alguns novos amigos, como por exemplo Kenneth, chamado de Ken, irmão de Papai Smurf. Em meio a aventuras com outros Smurfs habitantes de um globo de discoteca, reviravoltas fazem os pequeninos descobrirem algo além, incluindo um deles que ainda desconhece seu dom e precisa ser batizado de um nome adequado. Assim, Sem Nome (Diego Martins) e o grupo esbarram em algo fantástico. 

Buscando se descobrir, estando em grupo numa missão maior, ao lado da líder Smurfette (Rihanna, dublada de Jennifer Nascimento de "Encanto", voz de Dolores Madrigal), feitiços explodem na tela e a verdadeira magia, usadas em união para um bem maior é o que, de fato, importa. Com uma trilha sonora impecável, no Brasil, garante o encontro vocal de Diego Martins e  Jennifer Nascimento, fazendo a magia acontecer na produção.

Com direção de Chris Miller ("O Poderoso Chefinho"), codireção de Matt Landon ("O Pequeno Príncipe") e roteiro de Pam Brady ("South Park: Maior, Melhor e Sem Cortes"), a produção entrega muito da essência dos "Smurfs", ao som da tradicional canção feliz e apresentação de todos os personagens, incluindo o "perdido" Sem Nome. Todavia, mesmo com uma mitologia aprofundada do universo dos seres azuis, o longa segue com tamanho ritmo que, por vezes, confunde o público. De toda forma, "Smurfs" é entretenimento para toda a família. Vale a pena conferir na telona Cineflix Cinemas.

O Resenhando.com é parceiro da rede Cineflix Cinemas desde 2021. Para acompanhar as novidades da Cineflix mais perto de você, acesse a programação completa da sua cidade no app ou site a partir deste link. No litoral de São Paulo, as estreias dos filmes acontecem no Cineflix Santos, que fica no Miramar Shopping, à rua Euclides da Cunha, 21, no Gonzaga. Consulta de programação e compra de ingressos neste link: https://vendaonline.cineflix.com.br/cinema/SAN



"Smurfs" ("Smurfs"). Ingressos on-line neste linkGênero: animação, infantil, musical, comédiaClassificação: livre. Duração: 1h32. Direção: Matt Landon, Chris Miller. Roteiro: Pam BradyElenco: Rihanna (Smurfette), Dan Levy, Natasha Lyonne, Kurt RussellSinopse: Feiticeiros malvados capturam o Papai Smurf e os Smurfs embarcam em uma missão para o mundo real para salvá-lo. Com a ajuda de alguns novos amigos, eles devem descobrir o que define seu destino para salvar o universo.. Confira os horários: neste link

Trailer "Smurfs"




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Por 
Helder Moraes Miranda, especial para o portal Resenhando.com. Foto: Django Sibley

Isabela Quilodrán não é apenas uma atriz em ascensão, mas uma autora do próprio destino. Ela não nasceu para os papéis secundários, tampouco para as molduras pré-fabricadas de uma indústria que ainda tenta, de tempos em tempos, definir quem pode ou não ser protagonista. É uma artista que nasceu em solo brasileiro, tem sangue chileno pulsando sob a pele e uma carreira que corta continentes como quem avança no palco com um monólogo incendiário.

Da Record TV às tábuas de Shakespeare, dos palcos independentes do Fringe Festival à selva burocrática dos festivais internacionais, Isabela Quilodrán não pede licença - ela acende as luzes e se posiciona no centro para falar. Com um sotaque que é misto de alma e resistência, carrega no corpo o traço de um tempo novo, em que a atriz também escreve, produz, dirige e, principalmente, ousa. E não é qualquer ousadia: é latino-americana, feminista, intensa e autoral - uma combinação explosiva que Hollywood ainda tenta decifrar com legendas em atraso.

Na entrevista a seguir, exclusiva para o portal Resenhando.com, Isabela fala sobre a trajetória entre o teatro clássico e o cinema de gênero, a solidão dos bastidores, o glamur nada glamuroso das premiações, os sustos e fantasmas que alimentam seus roteiros, e as ideias perigosas que costuma ter no silêncio das coxias. O tom é direto, reflexivo e, por vezes, desconcertante, assim como o talento dela.


Resenhando.com - Em uma Hollywood ainda viciada em estereótipos, como é carregar um nome latino de sonoridade poética e, ao mesmo tempo, recusar-se a interpretar a “doméstica caliente” ou a “traficante de coração mole”?
Isabela Quilodrán - Dá muito orgulho carregar esse nome justamente porque sempre se impressionam comigo. Sempre me perguntam de onde sou, porque nunca têm certeza. Brasileiro, na cabeça do estrangeiro, tem um visual muito diferente, então, quando me perguntam, eu explico a mistura com muito orgulho. Sobre os papéis, geralmente sou estereotipada como a "sexy", o que me incomoda. Porém, sei que isso sempre vai acontecer. Não recuso papel pelos estereótipos, recuso mais pela história: o que quero passar? Vai me desafiar? Isso é o que mais me move. Penso que, se me derem o espaço para brilhar, eu vou brilhar. E também vou atrás dos papéis que têm algo a dizer, para provar que sou mais do que o estereótipo em que me colocam.


Resenhando.com - Você estudou Shakespeare e Molière em inglês, mas cresceu ouvindo português e espanhol. Quando o palco exige de você intensidade, qual dessas línguas grita mais alto dentro de você?
Isabela Quilodrán - Português. Sempre português. Nossa língua é tão rica! Temos tantos ditados, gírias e palavras que só existem no português e que fazem tanto sentido... Então, quando me dá vontade de falar algo que vem das profundezas do meu ser, o português é o que grita mais alto.


Resenhando.com - Já que você atua, escreve e produz, diga com sinceridade: qual das três funções mais testa sua vaidade - e qual a salva dela?
Isabela Quilodrán - Produção é a que mais testa minha vaidade, com toda certeza! Parece até irônico, mas na produção lidamos com muita responsabilidade e poder - um produtor tem, muitas vezes, a decisão final. A que me salva dela é a atuação. Criar um personagem baseado no texto é uma mistura perfeita de caos e entrega. É se perder para renascer, e é o que me reconecta comigo mesma.


Resenhando.com - “Audition” e “Feast” têm tons sombrios e psicológicos. Você tem medo de quê - e como transforma isso em matéria-prima para o cinema?
Isabela Quilodrán - Nossa, acho que todo mundo tem muitos medos. Eu tenho fobia de aranhas. Poucas foram as vezes em que acessei esse medo para um personagem - eu evito trazer muito de mim para eles. Prefiro criar do zero e existir naquela vida imaginada, descobrindo dentro dela os medos e paixões.


Resenhando.com - Você já interpretou reis, loucos, fantasmas e mártires no palco. Mas e fora dele? Qual foi o papel mais difícil que a vida a forçou a improvisar?
Isabela Quilodrán - Fora dele, acho que o papel mais difícil ainda é ser você mesmo e tentar ser fiel às suas origens e à sua própria autenticidade. Um papel que a vida me forçou a improvisar é esse papel social. Sempre me vi muito dividida por ser brasileira e chilena. Sempre ouvi muitos comentários sobre como foi crescer numa casa com duas culturas semelhantes em muitos aspectos, mas também muito diferentes. Acredito que ainda luto muito com isso - minha família no Brasil não entende muito a do Chile, e vice-versa. Vivo no meio de dois mundos que, muitas vezes, colidem.


Resenhando.com - O circuito de festivais é uma vitrine ou uma selva? Já foi mordida por algum tapete vermelho?
Isabela Quilodrán - Festival é definitivamente uma vitrine. Uma vitrine selvagem. Pensa bem: você vai para um evento onde tem diretores, produtores, executivos, atores... é uma loucura só! E você se vê fazendo entrevistas, vendo gente conhecida ganhando espaço - é uma mistura de sensações incríveis. É um ótimo lugar para fazer networking e mostrar todo o seu carisma e potencial. Sim! Nossa, lembro de um evento em que eu estava me sentindo minúscula porque tinha tanta gente incrível que vi na TV e no cinema desde nova... Eu não conseguia acreditar que eu, lá do Brasil, estava no meio dessa galera. Nunca vou esquecer como foi ver Javier Bardem, Kevin Costner e Ebon Moss. Juro, até hoje fico boba!


Resenhando.com - Ao estudar na tradicional Stella Adler, você bebeu da fonte de ícones como Marlon Brando e Judy Garland. Há espaço, nesse olimpo, para uma atriz latino-americana com sotaque e cicatrizes?
Isabela Quilodrán - Nossa, tem muito espaço! A indústria está fazendo de tudo para mostrar esse espaço. Ainda é difícil, mas é muito possível, e eu parto do princípio de que nada é impossível. Eu coloquei na minha mente que vou levar o Brasil e o Chile para o mundo. E estou nessa missão até hoje - e seguirei até conseguir.


Resenhando.com - O que mais move você: a raiva contra o apagamento latino em Hollywood ou o desejo de ocupar a cena com outra narrativa possível?
Isabela Quilodrán - Raiva nunca me moveu. Meu desejo de ocupar a cena com a minha narrativa, com a visão de quem foi ganhando espaço aos poucos, é muito mais gostoso e interessante do que lutar contra algo que já aconteceu. Quem vive de passado é museu, e eu uso o conhecimento do passado que tenho para mostrar, para quem não sabe, como é ou como pode ser daqui para frente. Vamos mudar a mente dos outros para melhor, e juntos a gente faz história - uma nova história.


Resenhando.com - Se a sua trajetória fosse uma peça teatral, qual seria o título e quem você escalaria para interpretá-la em cena?
Isabela Quilodrán - Genial essa pergunta! Nunca pensei muito num nome... Talvez "Confissões de Uma Eterna Estrangeira". E eu interpretaria a mim mesma - não sei se vejo outra pessoa no meu lugar. Digo isso porque sempre busquei representatividade em atores, mas eles não representam exatamente quem eu sou ou de onde eu vim. Sinto falta de poder representar alguém como eu. Essa conversa é longa... São muitos pontos.


Resenhando.com - Você prefere o silêncio das coxias ou o ruído do set? E em qual deles você costuma ter as ideias mais perigosas?
Isabela Quilodrán - Para sempre, o silêncio das coxias. O palco é um lugar de muita entrega, tentativa e erro. A energia que a plateia emana... são muitas variáveis que eu amo e que me dão um prazer enorme. O set é bem divertido, mas não dá para brincar ou interagir tanto como num palco. Num set, você vem com uma ou duas escolhas e decide de acordo com o que o diretor quer. Gravou, é isso. No palco, às vezes, você está no meio de uma fala ou monólogo, tem um insight completamente diferente, descobre algo novo, faz a intenção levemente diferente ou se deixa influenciar pela energia que está recebendo da plateia. O diretor lapida o que tem que ser, mas você vive ele de formas diferentes em cada apresentação. A experiência é bem diferente.

segunda-feira, 14 de julho de 2025

.: Entrevista com Andrea Jundi: a estreia de uma autora que recusa o cinismo


Por Helder Moraes Miranda, especial para o portal Resenhando.com. Foto: divulgação.

Há quem diga que todo livro é um abrigo provisório - desses que acolhem até que a vida volte a caber dentro da gente. Em “O Menino e o Livreiro”, publicado pela editora E-Galáxia, Andrea Jundi não escreve apenas um romance de estreia: ela consegue erguer, página por página, uma morada sensível para os órfãos de afeto, para os que foram deixados na estação errada e para os que, apesar de tudo, ainda esperam um trem que os leve a algum lugar que mereça ser chamado de casa.

Roteirista com mais de 20 anos de mercado, Andrea estreia na literatura com a segurança de quem conhece o ritmo das imagens, mas aposta na delicadeza da palavra como potência transformadora. O protagonista do romance, Carlos, é um menino abandonado que não se torna estatística, mas personagem - não por negação da realidade, mas por uma escolha radical: a de escrever esperança sem anestesiar a dor.

Em tempos em que cinismo virou sinônimo de lucidez, a autora faz o movimento inverso e se arrisca onde poucos ousam: acredita no afeto, investe na escuta, escolhe a ternura como campo de batalha. Nesta entrevista exclusiva ao Resenhando.com, ela fala sobre infância e abandono, sobre roteiros e reinvenções, sobre literatura como gesto de reparação. E, principalmente, sobre os livros que salvam - mesmo quando ninguém mais parece disposto a tentar. Compre o livro "O Menino e o Livreiro", de Andrea Jundi, neste link.


Resenhando.com - Você escolheu contar uma história de abandono sem cair na tragédia anunciada. Como autora, que riscos você correu ao optar por uma narrativa esperançosa em um país em que a infância é diariamente sacrificada?
Andrea Jundi - A escrita para mim acontece enquanto escrevo. Quando comecei a escrever "O Menino e o Livreiro", não sabia qual seria o caminho a percorrer, não tinha um final definido e tampouco sabia todos os personagens que fariam parte da história. Carlos se mostrou para mim desde o início como um menino cheio de amor e de vida e, como um novelo, conforme ia puxando o fio, fui sendo guiada por esse caminho do afeto das relações. Escrever qualquer tipo de história sempre envolve o risco de não ser bem aceito. É algo que os escritores lidam diariamente, não importa o tamanho de seu sucesso já conquistado. Mas quando escrevemos com verdade, sempre haverá público. "O Menino e o Livreiro" trata de um tema muito difícil que me toca profundamente, e a tendência à tragédia, na minha opinião, é mais óbvia do que o caminho da esperança. Mas quando se trata de crianças, se nós adultos não conseguirmos ajudá-los a encontrar uma saída, o que resta?


Resenhando.com - "O Menino e o Livreiro" surgiu de uma imagem mental vívida. O que mais a sua cabeça anda projetando? Você costuma confiar nos delírios criativos como ponto de partida ou prefere o planejamento racional da estrutura?
Andrea Jundi - Adorei o “delírios criativos” (risos). Sim, eles são sempre meu ponto de partida. Não sou uma escritora que cria toda a estrutura com começo, meio e fim, antes de começar a escrever. Eu parto de uma cena que está muito clara em minha mente e a partir daí começo a desenvolver a personagem principal, sua trama central. Depois disso é natural que outros personagens comecem a surgir para suprir essa trama. A escrita estruturada para mim acontece quando escrevo roteiro de longa metragem. Aí, sim, preciso ter a curva dramática traçada antes de mergulhar no roteiro em si. Já a escrita literária é onde me permito ser livre na criação, onde me sinto mais à vontade no desordem. Não que não haja ordem alguma, mas ela vai nascendo a partir de um entrelaçado e não de uma linha. Nesse momento estou dedicada a escrever meu próximo livro e ele também surgiu de uma cena muito vívida em minha cabeça, um delírio criativo. Já encontrei a trama central e estou agora descobrindo a trilha das duas protagonistas. Sentindo dores e amores com elas, me entristecendo e me deslumbrando com cada etapa. Às vezes me sinto como numa mata intocada, perdida, mas vou insistindo no caminho e é como se elas me sussurrassem para onde seguir até encontrar um novo rastro para seguir.

Resenhando.com - Você fala de “cargas nos vagões” e escolhas impostas - quais dessas cargas você mesma ainda carrega e quais precisou deixar para escrever esse livro?
Andrea Jundi - Carrego uma carga enorme e linda que foi meu trabalho como assistente de direção no audiovisual. Ele que me trouxe ao longo de mais de vinte anos quase toda minha experiência em contar histórias e me colocou em contato com universos diversos que enriqueceram o meu, me deram repertório. Saí dessa estação mas levei a carga comigo. A maior carga que tive que deixar foi a síndrome de impostora, essa porque nunca agregou. Sempre escrevi pra mim mesma, não mostrava para ninguém, mas quando decidi escrever para os outros lerem, tive que enfrentar o medo do julgamento, medo do olhar dos outros sobre mim. Não sei se consegui deixar mesmo essa carga para trás, mas tenho conseguido ressignificá-la como parte de quem eu sou e me dando o direito de mudar e melhorar sempre.

Resenhando.com - Ao transformar um menino rejeitado em protagonista de uma jornada afetiva e simbólica, você também desafia a lógica de que a dor precisa ser exibida com crueza. A literatura brasileira está pronta para histórias ternas ou ainda prefere o chicote?
Andrea Jundi - Não escrevi com ternura de forma racional, mas durante a escrita, quando precisei fazer escolhas da narrativa, algo me impedia de ser cruel com o Carlos. Ele é um personagem que traz uma carga enorme de abandono em diferentes camadas, mas teve a sorte de encontrar pessoas que o ajudaram a seguir. Existem muitas histórias assim, de crianças que encontram uma mão no meio do caminho e outras tantas crianças como o João, irmão de Carlos, que são engolidos pelo sistema cruel. A existência do João tem a importância não só de representar essa dureza, mas também de enxergarmos as várias camadas que todos têm. Carlos enxerga nos olhos de João as camadas do irmão, sua bondade ressecada pela falta de amor e de cuidado e através desse olhar de Carlos, entendemos que ninguém é bom ou ruim e só, mas que somos moldados por situações externas que muitas vezes não escolhemos viver e ainda assim, estamos tentando fazer o melhor que podemos com o que nos restou. Às vezes, quase nada. A literatura brasileira é riquíssima e diversa e tem espaço para todo tipo de narrativa. Desde que lancei o livro recebo mensagens profundas de pessoas que se emocionaram muito com a história e que foram tocadas de uma forma que fazia tempo não sentiam. Estamos vivendo tempos muito difíceis e acho que histórias afetivas tem sido bem recebidas.


Resenhando.com - O livreiro e o assistente que acolhem Carlos parecem quase figuras arquetípicas — guardiões da palavra. Em quem você se inspirou para criar esses personagens que, em outro tempo, talvez fossem chamados de “mestres”?
Andrea Jundi - No caso de Romeo, o livreiro, ele e Carlos se conectam através de suas faltas, de seus vazios. Romeo tem um papel de mestre porque, ao permitir que sua solidão seja invadida, percebe que esse é o único papel que lhe compete; guiar esse menino. Não há outro papel para ele na vida de Carlos que não seja o de acolhê-lo. Tive avôs muito presentes em minha vida e talvez se forma inconsciente, tenha um pouco de cada um em Romeo. Já Pietro agrega com sua própria experiência de abandono, que é diferente da de Carlos, mas que também tem uma carga suficiente para moldar sua personalidade. Vejo mais o Pietro sendo guiado pelo Carlos do que o contrário, porque a dor do abandono de Carlos coloca o Pietro em movimento para também tentar entender sua própria história.


Resenhando.com - Você veio do audiovisual, um território coletivo e visual, e passou para a literatura, solitária e silenciosa. O que se ganha - e o que se perde - ao fazer essa travessia?
Andrea Jundi - Por vezes sinto bastante falta da coletividade do audiovisual. Sou uma pessoa que sempre andou em grupo e trabalhar nessa área é tão intenso, que as equipes acabam ficando muito ligadas umas às outras. Por outro lado, apesar de ser bastante social, sempre tive prazer no silêncio e em ficar sozinha. Ainda muito nova percebi essa necessidade e desde adolescente já escrevia fechada no quarto, ou ficava ouvindo música. Minha cabeça está o tempo todo criando cenas e imagens, acho que a minha solidão também é um pouco barulhenta rsrs. Fui encontrando saídas para o excesso de solidão que a escrita impõe e há um tempo faço parte de um grupo de escrita literária aqui em Lisboa, a Amora, uma forma de me cercar de pessoas criativas e também exercitar a escrita em grupo. Eu me mantive no audiovisual através da escrita de roteiros e para além de ficar perto dessa arte que amo, ainda posso trabalhar em equipe de tempos em tempos. Em roteiro, sempre acabo fazendo algum laboratório online com encontros semanais, onde lemos e opinamos nos projetos uns dos outros, enriquecendo o trabalho e dando um tempo na solidão quando ela pesa. Mas no geral, gosto desse silêncio da escrita.


Resenhando.com - A infância é quase sempre narrada por adultos. Como foi acessar uma voz infantil sem resvalar no tom professoral ou nostálgico? O que o menino Carlos ensinou a você que a roteirista Andrea ainda não sabia?
Andrea Jundi - Eu amo crianças, tenho um profundo respeito por essas mini pessoas, seus conhecimentos simples e leves muitas vezes tão mais profundos que os nossos. Tenho dois filhos, hoje com oito e 11 anos e somos muito ligados. Amo receber os amigos deles, viajar com amigos que têm filhos e observar essa interação entre eles, ouvir suas teorias sobre as questões da vida, as dúvidas que têm e como no geral pensam de forma tão mais límpida, mais simples. Acho que o tom afetuoso do livro tem muito a ver com a ingenuidade da criança. Apesar de não ser narrado em primeira pessoa, o olhar inocente de Carlos permeia a história. Uma vez ouvi uma menina em situação de guerra responder à pergunta de uma repórter sobre o que ela sonhava em ser quando crescesse, e ela disse que ali eles não sonhavam. Nunca mais esqueci aquilo, como pode uma criança não sonhar? Como podemos nós, como adultos, permitir que crianças não sonhem? Carlos me deu o dever de encontrar uma saída para ele e precisei enxergar através dos seus olhos o que ele precisava.

Resenhando.com - Morando em Portugal, você publicou por uma editora brasileira. Essa geografia afetiva da escrita - entre Brasil, Londres e Lisboa - impacta no modo como você observa e escreve suas personagens?
Andrea Jundi - Morar fora do Brasil me fez entender que muitas histórias e sentimentos são universais, mas tenho uma alma brasileira e através do meu trabalho no audiovisual, pude conhecer vidas muito diferentes da que eu cresci inserida. Amo gente, gosto de conversar e escutar histórias diversas, morei em uma vila de pescadores muito pobre no nordeste do Brasil para filmar um longa metragem e algumas daquelas crianças só tinham água com açúcar para enganar a fome. Filmei em comunidades, sentei no sofá de moradores e ouvi sobre seus medos e suas conquistas. Filmei com refugiados sírios e conheci os sonhos de seus filhos pequenos. Conheci quem voltou a ouvir pela primeira vez depois de anos surdo, quem ganhou seu primeiro cão guia que seria seus olhos a partir dali, presenciei o primeiro dia de dois irmãos chegando à sua nova casa com seus pais adotivos. Tudo isso no Brasil. Acredito que meus personagens terão sempre alma de brasileiro, minha gente, que eu conheço e entendo melhor que qualquer outro povo.

Resenhando.com - Seu livro fala sobre “quem parte e quem escolhe ficar”. Se pudesse revisitar os roteiros da sua própria vida, de quais personagens você teria partido antes, e para quais teria ficado mais tempo?
Andrea Jundi - No geral sou bem resolvida com as minhas escolhas. Gosto de me relacionar com as pessoas, aprofundar amizades, criar bases seguras. Tenho tendência a ser da turma que escolhe ficar e prefiro pensar que fiz o meu melhor antes de partir. Têm amizades e parceiros de trabalho que ficaram pelo caminho e sei que foi melhor assim porque não somavam na minha vida, mas conforme vou mudando de estação sempre dou um jeito de arrastar uns comigo. Sou apegada (risos). E se for para ficar, tem que fazer valer a pena.


Resenhando.com - Há um momento em que Romeo pergunta a Carlos sobre as cargas que ele escolhe levar. Qual foi a carga mais pesada que você precisou transformar em literatura para que não te esmagasse na vida real?
Andrea Jundi - Qualquer coisa que relacione criança à dor me machuca em um lugar profundo. No Brasil, mais de 5,5 milhões de crianças não têm pai na certidão de nascimento e outros tantos só tem o nome do pai na certidão, mas não os tem na vida real. Milhares de casas são lideradas por mulheres, mas numa sociedade que não olha por elas com o respeito e cuidado necessários. Na ponta final, quem sofre de muitos tipos de abandonos, são as crianças. O Estado vira a cara para essas crianças toda vez que não cuida de suas mães, toda vez que cerceia a liberdade às mulheres sobre seus próprios corpos e que as pune por crimes cometidos pelos homens. Acho que o tom afetivo do livro é o meu próprio afeto querendo gritar mais alto do que a raiva que sinto desse abandono imposto.

sábado, 12 de julho de 2025

.: Crítica: "O Talentoso Ripley": um serial charmoso no divã da moral burguesa


Por 
Helder Moraes Miranda, especial para o portal Resenhando.com

Existem livros que se oferecem como enigmas, outros como espelhos. "O Talentoso Ripley", de Patricia Highsmith, tem essas duas características. Lançado originalmente em 1955 - e ainda assim repulsivamente atual -, o romance convida o leitor a um pacto silencioso de admiração e desconforto pelo protagonista: Thomas Ripley, um camaleão social, um falsário de si mesmo, um assassino com elegância de bailarino russo e crise existencial de quem leu demais, mas só para imitar.

Ripley não é exatamente um personagem, mas um sintoma. Patricia Highsmith, com prosa afiada, constrói um romance em que a identidade é uma performance calculada, e o desejo - de ser, de ter, de pertencer - é a verdadeira motivação do crime. Ao contrário do que se espera de um “romance policial”, não se busca justiça, mas um alívio que Highsmith não entrega. Ela quer o leitor como cúmplice.

Logo no início, o leitor é lançado em uma Nova York turva, paranoica, onde Tom já se vê perseguido. Mas não é paranoia gratuita - alguém de fato o segue. E assim começa o jogo de gato e rato em que o leitor jamais sabe ao certo quem é quem. Se Hitchcock tivesse adaptado Ripley (em vez de "Pacto Sinistro", também da autora), teria feito um thriller sobre espelhos, porque Ripley - ao contrário de tantos vilões - não quer destruir o outro. Ele quer ser o outro.

Dickie Greenleaf, a peça central desse desejo projetado, não é apenas uma vítima: é o bilhete dourado para uma vida idealizada que vem com prazo de validade. Highsmith é cruel, mas justa - faz com que Ripley seduza o leitor ao mesmo tempo em que mancha as mãos com sangue. E o mais inquietante? O leitor torce por ele.

A cada capítulo, Highsmith afasta do “quem matou?” e vai direto na pergunta que interessa: “por que nos sentimos tão fascinados por quem matou?”. Ripley, como Gatsby, é um construtor de ilusões; mas onde Fitzgerald deixou a ternura, Highsmith plantou o vazio - e esse abismo é a grandeza do livro. A edição da Intrínseca respeita o clima do texto, com projeto gráfico elegante e tradução competente de José Francisco Botelho. Mas a força continua sendo o texto original, que encara com o mesmo olhar inquisidor que Tom lança aos seus alvos. E, quem sabe, aos leitores.

"O Talentoso Ripley" é um convite para examinar as zonas cinzentas que existem em cada um. Não se trata de amar um anti-herói, mas de reconhecer que a linha entre o que as pessoas são e o que fingem ser é, muitas vezes, tênue como o rastro de um barco milionário no mar de San Remo. Patricia Highsmith, com este romance, escreveu um dos tratados mais perversos e sedutores sobre a identidade como um teatro, o crime como arte, e a moral como um luxo que só os ricos podem bancar - até serem assassinados. Compre o livro "O Talentoso Ripley" neste link.

quinta-feira, 10 de julho de 2025

.: Crítica: musical “Wicked” desafia a gravidade e as expectativas


Por 
Helder Moraes Miranda, especial para o portal Resenhando.com. Foto: divulgação/Jairo Goldflus

Existe um momento em que o teatro deixa de ser teatro e passa a ser transcendência, em que a arte deixa de apenas entreter e começa a transformar. “Wicked - A História Não Contada das Bruxas de Oz”, em cartaz no Teatro Renault, é exatamente isso: um salto entre o bom e o inesquecível. E se a palavra “clássico” já pairava sobre essa história nascida nos palcos da Broadway, o que se vê na terceira montagem brasileira é o nascimento de um novo patamar para o teatro musical no país.

Myra Ruiz não interpreta Elphaba - ela É Elphaba. E isso não é apenas um elogio, é um aviso. Prepare-se para testemunhar uma entrega artística de tirar o fôlego, que combina técnica vocal absurda, presença cênica hipnótica e uma força emocional que faz tremer a poltrona. Ver Myra “voar” - literalmente e metaforicamente - enquanto canta “Desafiando a Gravidade” é uma experiência de se guardar talismã verde-esmeralda. Em uma era de performances cada vez mais plastificadas, ela entrega verdade.

Bel Barros, como Glinda, na apresentação que substituiu Fabi Bang, encontra o tom exato entre o carisma solar e a frivolidade encantadora da bruxa boa. A química com Myra é mais do que uma parceria: é a prova de que antagonismos podem gerar beleza. Já Luisa Bresser, como Nessarose, mostra um domínio emocional raro para tanta juventude. A transição da atriz, de doce para amarga, é digna de nota - e, se o futuro da dramaturgia musical brasileira precisa de representantes, ela certamente já está convocada.

Hipólyto, como Fiyero, encontra mais um papel que o desafia e o valoriza. O Fiyero interpretado por ele tem charme, mas também tem camadas - algo raro nesse tipo de papel. E Cleto Baccic, como sempre, é a cereja do bolo: o Mágico de Oz dele destila cinismo com vulnerabilidade, lembrando a todos os espectadores que até o poder pode ser patético. Há algo que diferencia esta montagem das anteriores: ela ouve o tempo. 

Sob a direção de Ronny Dutra e com novos figurinos, efeitos visuais e sistemas de voo que parecem saídos de uma ficção científica glamurosa, o espetáculo conecta-se às angústias e urgências do presente. A mensagem de resistência, identidade e amizade feminina não poderia ser mais atual. “Wicked” não é apenas um musical: é uma alegoria queer, um manifesto feminista, uma crítica às narrativas oficiais. Tudo isso embalado em luz verde e rosa, plumas, vassouras e canções que colam na alma.

Além disso, o projeto extrapola os limites do palco. O leilão de figurinos em prol do GIV, as ações durante o Mês do Orgulho LGBTQIAPN+ e a participação ativa do elenco em iniciativas sociais mostram que esta produção entende o que significa “teatro vivo”. Se o teatro é um espelho, “Wicked” é aquele espelho mágico que nos mostra não só quem somos, mas quem podemos ser.

E que prazer vê-lo em cartaz justamente agora, quando a cultura brasileira parece, mais do que nunca, precisar de esperança, de empatia e de um pouco de feitiçaria também. Não é novidade que "Wicked" sempre será o melhor espetáculo do ano em todas as vezes em que estiver em cartaz. Mas, sem qualquer exagero, também é o melhor espetáculo que você terá a honra de assistir em toda a sua vida.


Serviço
"Wicked - A História Não Contada das Bruxas de Oz"
Quartas, quintas e sextas-feiras, às 20h00. Sábados e domingos, às 15h00 e às 19h30.
Teatro Renault - Av. Brigadeiro Luís Antônio, 411 - República/São Paulo.
Bilheteria oficial no Teatro Renault (sem taxa de conveniência): de terça a domingo, das 12h00 às 20h00 (exceto feriados). Site e app Ticket For Fun: ticketsforfun.com.br.
Temporada estendida até 10 de agosto de 2025.

quarta-feira, 9 de julho de 2025

.: Crítica: "Megan 2.0" é sequência fraca que não supera "Acompanhante Perfeita"

Por: Mary Ellen Farias dos Santos, editora do Resenhando.com

Em julho de 2025


A verdade é que "M3gan", o longa de terror com ficção científica com um toque de zoeira, surpreendeu positivamente a todos em janeiro de 2023 a ponto de anunciar uma sequência. Com data marcada para a estreia nos cinemas em 2025, antes, "M3gan 2.0" lançou trailers geradores de total empolgação para o público que foi fisgado dois anos antes. Contudo, o segundo filme não consegue realizar nem a metade da metade prometido ao som de "Toxic" na voz de Britney Spears.

Até mesmo a bonequinha cibernética assassina, dirigida mais uma vez por Gerard Johnstone, surge na trama perdida. Desta vez, a dançarina que faz jorrar sangue, canta e está mais comedida. Um dos pontos mais negativos e que acontece logo no início da produção, é o fato de demorar horrores para ela aparecer em cena. Seja por primeiramente ter perdido sua estrutura original ou por ser colocada num "corpo" provisório que pouco permite. "M3gan 2.0" parece que deseja ser levado a sério e erra feio, embora lance algumas piadinhas.

Assim, Megan fica sem propósito, tanto quanto o filme todo em suas 2 horas de duração. A boneca assassina dançante chega a perder o protagonismo para a novata Amelia (Ivanna Sakhno), num corpo de mulher, a máquina de matar adulta é focada, uma vez que foi criada a partir da base de dados de Megan com maior aprimoramento. Para acabar com a nova ameaça, Megan precisa retornar e Gemma (Allison Williams) o faz -para a alegria de Cady (Violet Mcgraw, A Maldição da Residência Hill").

Enquanto o filme vai passando, por vezes, quem curtiu o primeiro, fatalmente, irá se perguntar a respeito da necessidade desse retorno. E a resposta é que não, a bonequinha nem mesmo deveria ter voltado, não assim de modo aleatório e com um enredo totalmente fraco. Infelizmente, "M3gan 2.0" não acontece. É chato, sem sentido e descartável, ainda que valha a pena por trazer uma Megan crescida. Por outro lado, fica como um autêntico "M3gan 2.0" o longa "Acompanhante Perfeita", embora seja para maiores.


O Resenhando.com é parceiro da rede Cineflix Cinemas desde 2021. Para acompanhar as novidades da Cineflix mais perto de você, acesse a programação completa da sua cidade no app ou site a partir deste link. No litoral de São Paulo, as estreias dos filmes acontecem no Cineflix Santos, que fica no Miramar Shopping, à rua Euclides da Cunha, 21, no Gonzaga. Consulta de programação e compra de ingressos neste link: https://vendaonline.cineflix.com.br/cinema/SAN



"Megan 2.0" (Megan 2.0"). Ingressos on-line neste linkGênero: terror, ficção científicaClassificação: 14 anos. Duração: 2h04. Direção: Gerard Johnstone. Roteiro: Gerard Johnstone, Akela CooperElenco: Ivanna Sakhno, Allison Williams, Violet McgrawSinopse: Dois anos após M3GAN sair do controle, sua criadora, Gemma, tornou-se defensora da regulamentação da I.A. Confira os horários: neste link

Trailer "Megan 2.0"



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