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sexta-feira, 4 de julho de 2025

.: Entrevista com Camila Anllelini: entre o amor e o ódio, ela decidiu escrever


Por Helder Moraes Miranda, especial para o portal Resenhando.com. Foto: divulgação

Se Freud tivesse Instagram, talvez stalkeasse Camila Anllelini com a mesma obsessão com que investigava a mente humana - não por voyeurismo, mas por pura fascinação diante de uma mulher que transforma trauma em literatura, dor em bisturi e amor materno em campo de batalha emocional. "De Amor e Outros Ódios" não é somente um livro. É uma ferida aberta que tem letra de filha machucada e psicanalista que observa.

O que Camila faz com essa matéria-prima íntima beira o indecente: ela convida o leitor a ler as cartas que nunca enviou, escancara a criança que quis consertar a mãe e ri - com ares de provocação - da coragem que levou anos para decantar. A personagem do livro escreve para a mãe. A autora escreve a partir da mãe. Mas e se essa mãe respondesse? E se fosse Freud o destinatário dessas confissões de filha? E se o amor não fosse apenas o oposto do ódio, mas a forma mais refinada desse sentimento? Nesta entrevista exclusiva, Camila Anllelini mergulha fundo.

Fala da psicanálise como quem se despe no divã, confessa contradições que a maioria sufoca com mantras de autoajuda, e revela que escrever - diferentemente de clinicar - é estar exposta, sem jaleco, sem diagnóstico e sem salvação. É um território em que não há frases de efeito, muito menos respostas terapêuticas. Só verdades perigosas, perguntas espinhosas e uma escritora que lembra o tempo todo que muitas vezes só dá para amar depois de sobreviver. Compre o livro "De Amor e Outros Ódios" neste link.


Resenhando.com - ⁠Sua personagem escreve cartas à mãe, mas se ela respondesse, que tipo de carta você acredita que ela escreveria de volta?
Camila Anllelini - Seriam bilhetes culpados, melancólicos. Porque essa é a mãe do "De Amor e Outros Ódios", a mãe que pôde ser, mas não de um lugar pacificado.


Resenhando.com - ⁠Você diz que precisou "esperar a ebulição da história" antes de escrever. Na sua vida, o que costuma explodir primeiro: o coração, o texto ou o silêncio?
Camila Anllelini - O silêncio, sempre o silêncio. O texto é um contorno aos "não ditos", o que pode emergir depois da decantação dos fatos que me capturam. O coração vem junto, a reboque, aos tropeços.


Resenhando.com - ⁠Em um mundo onde “ser mãe” ainda é cercado por idealizações tóxicas, seu livro é quase um ato político. Você acha que amar a mãe é, de certa forma, também sobreviver a ela?
Camila Anllelini - Sim. Se não sobrevivermos a ela, apesar do que nos aconteceu, não poderemos amá-la. Acredito que é preciso uma certa revolta pra se descolar da mãe ideal, essa que o sujeito enquanto filho ou filha deposita tantas expectativas, para podermos então entender quem somos além e apesar dela. Essa separação, quando bem sucedida, é uma das possibilidades para o amor.


Resenhando.com - ⁠Na sua escrita há psicanálise, dor e beleza. Já pensou que escrever pode ser mais arriscado do que clinicar? Algum texto seu já revelou algo que nem você sabia sobre si?
Camila Anllelini - Sem a menor sombra de dúvidas escrever é muito mais arriscado do que clinicar (risos). Na clínica, quem diz de si é o paciente. Na literatura, são os personagens dizendo da escritora. Com muita frequência, algo até então desconhecido se revela de mim. Escrever é lidar com um duplo.


Resenhando.com - ⁠Se Freud lesse seu livro, qual hipótese ele teria sobre sua personagem filha - e qual diagnóstico você daria a ele, caso ele fosse seu paciente?
Camila Anllelini - Aposto que Freud teria afeição pela personagem como teve com suas pacientes histéricas. Foi em nome delas que ele criou a psicanálise. A histérica não nega seu desejo, ela se implica no próprio sintoma, sendo capaz de fabricar um desejo para não ser satisfeito e assim se manter desejante. No deslizar entre um desejo e outro, ela vira especialista em denunciar a falta. A histérica tem um corpo que fala, que reivindica, e disso se constituem as histórias.


Resenhando.com - ⁠O que há de mais feio que você escreveu neste livro e decidiu manter?
Camila Anllelini - ”Eu achava que a minha mãe precisava de conserto”. Essa é uma posição infantil que não concebe a mãe como sujeito de si, como mulher, como ser desejante. Aos olhos da criança que escreveu isso por mim, a mãe é uma engrenagem que deve funcionar a serviço de suas leis, ou seja, nos moldes da sua demanda de amor.


Resenhando.com - ⁠Se a psicanálise é, muitas vezes, o exercício de escutar o indizível, o que você ainda não teve coragem de escrever sobre sua mãe - e o que ela talvez nunca tenha ousado ler em você?
Camila Anllelini - Tenho uma mãe que sempre abriu espaço para que eu dissesse, ainda que isso pudesse - e certamente eu o fiz - despedaçá-la. Foi dela que tive desde o início a permissão de dizer. Se tem alguém que me conhece no osso e me ama ainda assim, esse alguém é minha mãe.


Resenhando.com - ⁠Você diz que admirava a ideia de ter uma estante que precisasse de escada. Hoje, o que te faz subir escadas literárias: o desejo de ser lida ou o risco de não caber mais em si mesma?
Camila Anllelini - As duas coisas. O desejo de ser lida indubitavelmente me move degrau por degrau escada a cima, mesmo que eu acredite que ela nunca vai ter fim e que possivelmente terá. Mas o que possibilita que eu suba cada um desses degraus é a escrita. Ela precisa vir primeiro para que eu tenha o que levar comigo, e eu escrevo primordialmente porque, com frequência, não caibo em mim.


Resenhando.com - ⁠Você trabalha com contradições. Mas há alguma contradição que ainda a incomoda aceitar, mesmo sabendo que ela é inevitável?
Camila Anllelini - Todas. A aceitação não é sem incômodo, eu sou uma eterna inconformada. Faço perguntas, entro em conflitos e me pego querendo refazer a ordem do mundo. Mas saber que é inevitável é também um alento. Sem abrir espaço para a contradição a gente endurece, só consegue ver sempre a mesma rota de saída, isso não me interessa.


Resenhando.com - ⁠Se sua mãe nunca lesse esse livro, você ainda o escreveria da mesma forma? Ou a escrita só nasceu porque havia a chance - secreta ou desesperada - de que ela um dia o lesse?
Camila Anllelini - Esse livro foi escrito porque eu precisava escrevê-lo, nunca se sabe o que leva um escritor a correr tamanho risco. Não fui eu que escolhi, foi essa história que me escolheu para ser escrita. Por acaso, nela aparecia a figura da minha mãe. Agradeço ter podido fazer essa declaração a ela em vida e, além disso, sem imaginar que seria assim, essa história ter chegado aos leitores como um pedaço das suas próprias histórias. Desde a publicação essa têm sido uma grata surpresa.


sábado, 28 de junho de 2025

.: Crítica: "Elio" é versão masculina de Lilo sem um Stitch criador do caos

Por: Mary Ellen Farias dos Santos, editora do Resenhando.com

Em junho de 2025


A nova animação Disney "Elio" entrega o colorido Disney de encher os olhos do público diante da telona do cinema enquanto conta a história de um garotinho sem os pais, tendo que morar com uma tia que não sabe como lidar com uma criança. Vivendo em plena solidão, ainda que a mulher se desdobre para tentar mantê-lo em seu cotidiano corrido, o pequeno apaixonado por astrologia Elio pede para ser abduzido. 

Eis que um dia, as preces do garoto se concretizam. Fora da Terra, ele percebe que tudo não passou de um mal-entendido com os extraterrestres, uma vez que o garotinho não é o grande líder daqui. De fato, fica o questionamento, quem neste planeta estaria apto para tamanha representatividade, não é mesmo? 

Tentando parecer o autêntico representante dos humanos, Elio faz amizade com uma criatura sem olhos que está prestes a seguir, por obrigação, os passos do pai, vestindo uma carapaça para enfrentar batalhas. Em meio a fingimentos de ser quem não é ou tentar manter as aparências a história acontece, mas até o fim deixa o sentimento de que falta um liga. Não conversa, de fato, com o público a releitura da Lilo em versão masculina.

Sem despertar qualquer sentimento de envolvimento em quem está diante de toda a história, "Elio" faz brilhar os olhos com as cores que explodem na tela de cinema. Apenas. Sem originalidade, a animação deixa um ranço de superficialidade e repete o feito de "Mundo Estranho", colorido lindo numa trama que não envolve. 

Também pudera, "Eliotem todo um toque da pequena Lilo, porém aqui, não vive com a irmã após a morte dos pais, mas com a tia e ainda faz amizade com um ser bobinho e sem o carisma e caos de Stitch. Sem graça, nem mesmo um diferencial apresenta. Vejamos Stitch, uma criação com alto grau de maldade que muda por conta de uma garotinha, Glordon só quer ser feliz.

"Elioé mais uma história de alguém sem amigos e com o propósito de buscar  o desconhecido. Tanto é que o garoto sai do planeta no estilo do clipe "Not The End of The World" da cantora Katy Perry, com o visual aproximado de "Mundo Estranho""Elio" é agradável de se assistir pela estética, mas não mexe com a emoção do público, simplesmente acontece tal qual como uma produção para cumprir o cronograma.


O Resenhando.com é parceiro da rede Cineflix Cinemas desde 2021. Para acompanhar as novidades da Cineflix mais perto de você, acesse a programação completa da sua cidade no app ou site a partir deste link. No litoral de São Paulo, as estreias dos filmes acontecem no Cineflix Santos, que fica no Miramar Shopping, à rua Euclides da Cunha, 21, no Gonzaga. Consulta de programação e compra de ingressos neste link: https://vendaonline.cineflix.com.br/cinema/SAN



"Elio" (Elio). Ingressos on-line neste linkGênero: aventura, ficção científicaClassificação: livre. Duração: 1h39. Direção: Adrian Molina, Domee Shi, Madeline SharafianRoteiro: Julia Cho, Mark Hammer, Mike JonesElenco (vozes): Yonas Kibreab Zoe Saldaña Jameela Jamil Brad Garrett. Sinopse: Elio se vê transportado pela galáxia e é confundido com o embaixador intergaláctico da Terra.. Confira os horários: neste link

Trailer "Elio"


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sexta-feira, 27 de junho de 2025

.: Crítica: “F1 - O Filme” acelera com emoção e homenagens a Ayrton Senna

Por Helder Moraes Miranda, especial para o portal Resenhando.com.

Brad Pitt está na melhor forma. E isso não é força de expressão. Em "F1 - O Filme", novo longa-metragem da Apple Original Films em cartaz nos cinemas e distribuído pela Warner Bros., o astro retorna aos cinemas como Sonny Hayes, um ex-piloto de Fórmula 1 que sai da aposentadoria para mentorar um jovem talento da equipe fictícia APXGP. O novato em questão é vivido por Damson Idris. A dupla de protagonistas tem química, tensão e humanidade de sobra.

Dirigido por Joseph Kosinski, o mesmo de "Top Gun: Maverick", o filme carrega a assinatura visual e narrativa que o consagrou como o cineasta dos heróis em crise de identidade que reencontram o propósito. Assim como Maverick, Sonny Hayes é o veterano arredio, sedento por liberdade, que volta às pistas não apenas para guiar carros, mas para guiar vidas - a sua própria e a de Pearce, interpretado por Idris.

O longa-metragem acerta em cheio ao unir tiradas sarcásticas ao glamour e à adrenalina da Fórmula 1. Além disso, há um enredo emocional e bem calibrado e cenas de tirar o fôlego, registradas durante os fins de semana reais do Grande Prêmio. O filme misturando ficção e realidade com uma imersão rara no cinema esportivo. A trilha sonora pontua cada curva com inteligência - rock, batidas eletrônicas e temas orquestrados reforçam tanto a velocidade quanto o estado de espírito dos personagens.

A atuação de Brad Pitt dá o tom certo ao personagem. Aos 61 anos, o olhar cansado, a ironia contida e a entrega física lembram que ele não é apenas um galã dos anos 90 – e o filme brinca com isso de maneira divertida e afiada. Em vários momentos do filme, o personagem de Damson Idris o chama pejorativamente de “anos 90”, como se estivesse ultrapassado. Na vida real, foi justamente naquela década que Pitt despontou com força em "Clube da Luta", "Seven" e "Doze Macacos". Agora, ele ressurge, como o próprio Sonny, com mais consciência e profundidade.

Damson Idris, por sua vez, brilha como Joshua Pearce, o jovem piloto cheio de talento e inseguranças. O ator britânico, conhecido pelo trabalho na série "Snowfall", finalmente se consolida como um nome forte da nova geração. A entrega dele é crua e sensível, equilibrando competitividade e vulnerabilidade com naturalidade. Tanto Idris quanto Pitt compartilham um ponto em comum na trajetória: ambos são atores que começaram com papéis promissores e ganharam respeito com o tempo, construindo personagens cada vez mais densos. "F1" é o encontro dessas duas forças em plena curva ascendente.

Produzido também pelo heptacampeão Lewis Hamilton, o filme acerta ao prestar diversas homenagens a Ayrton Senna - desde visuais que remetem ao piloto brasileiro até pequenas falas que evocam a presença dele no esporte. Para o público brasileiro, são momentos de respeito ao legado do campeão brasileiro. Além da dupla central, o elenco de apoio também entrega atuações consistentes. Kerry Condon, Javier Bardem e Tobias Menzies elevam o nível dos bastidores das escuderias, trazendo peso dramático e humor na medida certa. 

No fim das contas, "F1" não é apenas um filme sobre velocidade. É sobre legado, reconciliação e coragem. A coragem de voltar quando todos pensam que você já ficou para trás. A coragem de acelerar mesmo com medo da curva seguinte. E, sobretudo, a coragem de passar o bastão sabendo que ele está em boas mãos. Para Brad Pitt, é um lembrete do porquê ele continua sendo um dos grandes. Para Damson Idris, a largada de uma trajetória que ainda vai longe.

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Programação do Cineflix Santos
"F1 - O Filme" | Salas 1 e 3
Classificação: 16 anos. Ano de produção: 2025. Idioma: inglês. Direção: Joseph Kosinski. Elenco: Brad Pitt, Damson Idris, Kerry Condon, Javier Bardem e Tobias Menzies12. Duração: 2h36m.
Cineflix Santos | Miramar Shopping | Rua Euclides da Cunha, 21 - Gonzaga - Santos/SP.

26/6/2025 - Quinta-feira: 15h10, 17h20 e 20h30
27/6/2025 - Sexta-feira: 15h10, 17h20 e 20h30
28/6/2025 - Sábado: 15h10, 17h20 e 20h30
29/6/2025 - Domingo: 15h10, 17h20 e 20h30
30/6/2025 - Segunda-feira: 15h10, 17h20 e 20h30
1°/7/2025 - Terça-feira: 15h10, 17h20 e 20h30
2/7/2025 - Quarta-feira: 15h10, 17h20 e 20h30

segunda-feira, 16 de junho de 2025

.: Leonardo Simões: identidade, crise e poesia no Brasil do ornitorrinco


Por Helder Moraes Miranda, especial para o portal Resenhando.com. Foto: Fabio Audi

“Pretinho é camaleão, sabe?” Com essa frase que ecoa como verso e diagnóstico, Leonardo Simões sintetiza o espírito de seu livro de estreia, "Folha de Rosto", publicado pela Mondru Editora. Mineiro de nascença, paulista por adoção e poeta por combustão interna, o autor mergulha nas contradições do Brasil recente para transformar identidade, afeto e política em matéria literária. É um autor consciente de que escrever hoje é, também, um ato de sobrevivência.

Escrito entre 2018 e 2022, período em que “o Brasil virou um meme de si mesmo”, o livro assume a forma de um romance em poemas, um dossiê lírico sobre um país onde apelidos machucam, onde relações desmoronam por ideologia e onde “a identidade, que antes era criada a partir da autenticidade, virou um tipo de produto”. Para Leonardo, escrever "Folha de Rosto" foi mais do que publicar versos: foi enfrentar seus próprios estilhaços e decidir “quais tradições, costumes e relacionamentos você vai dar o sangue pra não perder nunca”.

Nesta entrevista exclusiva ao portal Resenhando.com, o autor fala sobre racismo, arte como resistência, a tensão entre forma e conteúdo e o perigo de se perder no personagem. Com franqueza e delicadeza, ele convida o leitor a olhar o país pelo reflexo torto de um espelho onde, talvez, o que apareça seja um ornitorrinco.

Resenhando.com - “Folha de Rosto” é um romance em poemas, mas também soa como um dossiê emocional da vida no Brasil recente. Escrever poesia em tempos de polarização é um ato de ingenuidade, resistência ou desespero?
Leonardo Simões - 
Acho que é um pouco dos três. Recentemente, assisti uma peça - chamada “Poema” - que parte dessa mesma pergunta. O certo é que a arte é um ponto cardeal quando o caos se instala. Não por acaso, a arte é a primeira coisa a ser limada e atacada por qualquer regime totalitarista. A polarização não pode resistir à poesia, ao teatro, ao cinema e aos demais processos criativos.


Resenhando.com - Em um país onde "pretinho" ainda vem carregado de camadas - do afeto disfarçado ao racismo não admitido - como foi para você transformar essa palavra em literatura sem diluir sua dor?
Leonardo Simões - O distanciamento é necessário para se criar uma imagem que absorva mais de uma dor. A poesia, de certa forma, é uma imagem. Para trabalhar o afeto e o racismo nesta tão tensa como a palavra “pretinho” sugere, para mim, foi importante não somente traduzir experiências pessoais, mas encontrar o ponto que está fora desse raio de visão, algo que atraia outros afetos, sejam eles bons ou ruins.


Resenhando.com - Seu livro começa com um apelido. Num país que adora apelidar tudo - do presidente ao entregador -, você diria que o Brasil tem vocação para batizar ou para reduzir alguém?
Leonardo Simões - 
Acho que sim. Faz parte do nosso jeitinho ser “cordial”. Mas a redução - ou os apelidos, como você citou - não demonstram carinho. Ao contrário, podem ser mecanismos para reduzir, para tirar a identidade do indivíduo. Veja “neguinho", por exemplo, o modo como essa palavra, dependendo do contexto, atinge níveis distintos de compreensão.


Resenhando.com - A fragmentação da identidade do protagonista ecoa a de muitos brasileiros. Mas... e você, Leonardo: ainda se sente às vezes um “camaleão de classe média preta em crise permanente”?
Leonardo Simões - 
Não um “camaleão de classe média”, mas sim “em crise permanente". Com as redes sociais, pulverizar sua própria identidade ficou fácil demais. Você apaga defeitos, edita falas, assume lados sem se aprofundar e pode ignorar tudo isso apenas descendo o feed por horas e rindo de memes. A identidade, que antes era criada a partir da autenticidade, virou um tipo de produto. Então, fica cada vez mais difícil entender o que se é, já que há mais influências e referências do que tempo para absorver a experiência. Para o camaleão, a camuflagem é seu mecanismo de defesa. Para gente, não usar todas essas camuflagens é que te livra do perigo de se perder no personagem. Manter a forma original, de certa forma, é estar em crise permanente. Consigo e com o mundo.


Resenhando.com - Entre Ferreira Gullar e o caos das redes sociais, onde você encontra mais material para escrever: nos clássicos da literatura ou nos comentários do YouTube?
Leonardo Simões - 
É impossível não ser cercado pelas redes sociais. E há diversos canais que colaboram para que os clássicos sejam conhecidos e lidos. Eu tento não me fechar em uma única, mas ficar sempre atento para aparecer e de certo modo me abastecer. Para mim, nesse momento, a fonte de pesquisa está conectada ao objetivo do trabalho. Para fazer “Folha de Rosto", reli a obra inteira do Ferreira Gullar algumas vezes durante o processo. O TikTok tem sido meu reduto. Finalizei uma dissertação de mestrado sobre o app, que se tornou um livro de ensaio, e também para a criação de outro livro. O que estou fazendo agora pede isso. Mas o valor dos clássicos está acima de tudo. É importantíssimo estar por dentro do que já foi escrito.


Resenhando.com - Seu livro pergunta se os casais terminam por amor ou por política. Quantos relacionamentos você perdeu entre 2018 e 2022?
Leonardo Simões - 
Acho que uns cinco, mais ou menos. O número parece pequeno, mas eram pessoas que estavam no convívio. Quando você se vê em lados tão opostos, ou o rompimento é definitivo ou dá pra ser moderado, encontrar um caminho mais próximo do meio… o importante, acredito, não é bem quantos relacionamentos foram perdidos, mas quais foram mantidos. Perder relacionamentos, seja pela política ou não, faz parte da vida. Vai acontecer. As coisas sempre vão mudar. A batalha mesmo é escolher o que vai ser mantido, quais tradições, costumes e relacionamentos você vai dar o sangue pra não perder nunca.


Resenhando.com - "Folha de Rosto" poderia ser lido como um diário íntimo ou um relatório sociológico - mas você o chama de romance. Isso foi uma decisão estética, afetiva ou política?
Leonardo Simões - 
Fico feliz pelo “relatório sociológico", mas essa nunca foi a intenção. A decisão por chamá-lo assim se dá por sua forma esguia, já que é um livro cujo conteúdo foca em alguém na busca por compreender sua identidade. Para isso, prosa e poesia parecem disputar o espaço dessa “voz”. Então, a forma tenta se conectar ao conteúdo. Ou o conteúdo busca delimitar a forma. A dúvida também faz parte dessa “decisão”.


Resenhando.com - O Brasil de 2018 a 2022 foi um laboratório de distorções. Ao escrever nesse intervalo, você teve mais medo de parecer panfletário ou de ser lido como neutro?
Leonardo Simões - 
Ótima pergunta. Mas não tive medo de ser lido como panfletário. O livro foge disso. No poema “ex-filho", por exemplo, a "voz” está muito mais próxima de alguém egoísta, abominável e narcisista. Criar essa tensão parecia importante para mostrar que mesmo as pessoas engajadas politicamente tem suas contradições. “Sobre Isto", livro do poeta Maiakovski, é uma briga feia dele com sua esposa, relatada em versos ferinos. O poema, Inclusive, serve de referência para “banho”, um texto do livro que também fala de uma desavença entre o casal. Sobre ser neutro, também não tive esse medo porque “Folha de Rosto” não defende uma ideia política, mas poética. A partir daí, cada um escolhe o “estilhaço” que vai usar para se defender (ou atacar).


Resenhando.com - Você transita entre a criação publicitária e a literatura. O que dá mais trabalho: vender um carro ou convencer um leitor a sentir?
Leonardo Simões - 
Vender um carro dá mais trabalho porque trabalha em uma única chave: convencer alguém a comprar alguma coisa. Na literatura, você pode frustrar, contrariar, irritar e uma infinidade de outras possibilidades sem que “agradar" seja prioridade. Aliás, não é. Se a literatura só quer agradar o cliente, aí vira publicidade…


Resenhando.com - Você escreveu “Pretinho é camaleão, sabe?”. E se hoje o Brasil se olhasse no espelho, que bicho ele veria?
Leonardo Simões - Um ornitorrinco: um mamífero que põe ovos, semiaquático, que não é ave, mas tem bico de pato e rabo de esquilo. Hoje, a política, a cultura e os relacionamentos no Brasil nunca foram tão confusos quanto olhar para um ornitorrinco.


sábado, 14 de junho de 2025

.: Resenha crítica: "Síndrome da Apatia" é alerta cinematográfico que emociona

Por: Mary Ellen Farias dos Santos, editora do Resenhando.com

Em junho de 2025


Inspirado em fatos reais, o filme "Síndrome da Apatia", retrata a história de uma família composta por pai, mãe e duas filhas. Vindos da Rússia, os quatro que viviam bem na Suécia, após o pai, Sergei (Grigoriy Dobrygin) optar por sustentar sua ideologia, passa a lutar por asilo que lhes é negado -em sequência. Enquanto são pressionados a seguirem as regras da migração sueca -que exige sorrisos falsos e visitas-, o pior acontece com a filha mais nova, Katja (Miroslava Pashutina) que num dia comum na escola, vai ao chão, acometida pela "Síndrome da Resignação".

Sem saber o que se passa, de fato, com a garotinha, o pai, um professor que não pode mais trabalhar registrado, assume uma vaga na área de limpeza e a mãe Natalia (Chulpan Khamatova), antes também professora, fica em casa cuidando do lar. Diante da doença de Katja e a total necessidade de conseguirem asilo, em casa, os três veem a vida de refugiados que vinham levando ficar ainda mais de cabeça para baixo e sem uma possível solução. Afinal, a testemunha a ser usada para a permanência era a garotinha que aparentemente está em coma.

Precisando de ter uma efetiva testemunha para o caso vivido por Sergei, ele e a esposa tentam usar a outra filha, Alina (Naomi Lamp), interpretando o papel vivido por Katja. Emocionante, a produção dirigida por Alexandros Avranas ("Miss Violence", "Crimes Obscuros") também alerta a respeito de uma condição que induz um estado de consciência reduzida, condição psicológica que afeta, predominantemente crianças e adolescentes. Filme imperdível!


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"Síndrome da Apatia" (Quiet Life). Ingressos on-line neste linkGênero: dramaClassificação: 10 anos. Duração: 1h56. Direção: Alexandros AvranasRoteiro: Alexandros Avranas, Stavros PamballisElenco: Chulpan Khamatova, Grigoriy Dobrygin, Naomi Lamp. Sinopse: Em Síndrome da Apatia, um drama inspirado em eventos reais, a vida de Sergei (Grigoriy Dobrygin) e Natalia (Chulpan Khamatova), um casal de refugiados, desmorona quando sua filha mais nova, Katja (Miroslava Pashutina), desmaia e entra em um coma misterioso. Forçados a fugir de seu país natal após um ataque violento, Sergei e Natalia se estabeleceram na Suécia com suas duas filhas, buscando uma nova vida em segurança. Apesar de seus esforços para se integrar à sociedade sueca, trabalhando duro, aprendendo o idioma e seguindo as regras de imigração, seu pedido de asilo é rejeitado. Com a rejeição do pedido, Katja começa a se deteriorar rapidamente, a família é confrontada com um dilema moral e emocional profundo. A síndrome misteriosa que afeta crianças refugiadas começa a gerar preocupações entre médicos e políticos, e Sergei e Natalia devem lutar contra todas as adversidades para encontrar uma maneira de salvar sua filha e preservar a esperança em meio ao caos. Confira os horários: neste link

Trailer "Síndrome da Apatia"


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.: Live action de "Como Treinar o Seu Dragão" respeita o original e encanta

Por: Mary Ellen Farias dos Santos, editora do Resenhando.com

Em junho de 2025


O live action de "Como Treinar o Seu Dragão", mantém fidelidade ao original e garante encantamento visual. A produção com direção e roteiro de Dean DeBlois ("Lilo & Stitch", 2002) não cria ou corta situações para fazer a história render e se adaptar aos novos tempos -como foi feito com "Lilo  Stitch", também em cartaz nos cinemas e, originalmente, foi dirigido por DeBlois. Neste, a versão humana da animação de 2010 acontece magicamente na telona, repetindo o que fez há 15 anos, fisgando o público do início ao fim, agradando, inclusive, quem não curte a temática viking. 

Agora em live action, sem se apoiar no visual falso dos efeitos especiais, ainda que emplaque a fantasiosa história de amizade de um garoto com um dragão, "Como Treinar o Seu Dragão" entrega história boa e envolve tão bem, a ponto de passar a impressão de que toda aquela ficção está acontecendo diante de seus olhos. De fato, por vezes, tal relação remeta ao clássico "História Sem Fim", quando Arteiro e Bastian estabeleçam um forte elo com Falkor, um dragão da Terra da Fantasia.

A nova produção, adapta a animação com primor e respeito aos fãs que, fatalmente, esperam rever as cenas marcantes. Tudo está lá para o puro deleite dos que amam a história do jovem viking amigo do dragão Banguela. No elenco, como o protagonista Soluço (Mason Thames, de "Telefone Preto") convence o merecimento do papel de garoto que não se enquadra no seu povoado e também não quer matar um dragão, ainda mais depois de capturar com um verdadeiro Fúria da Noite e estabelecer um elo de amizade com uma espécie tão mal vista pelos vikings.

Com Gerard Butler, o eterno "Fantasma da Ópera" (2004), na pele do pai brutamontes de Soluço, a dobradinha em cena conquista com tamanha facilidade, tornando tão claras as diferenças na forma de pai e filho verem as formas de realizarem as coisas. A parceria de Soluço com a autêntica guerreira da ilha de Berk, Astrid (Nico Parker, de "Dumbo" e "Bridget Jones: Louca pelo Garoto") também flui na trama. 

Até os rivais de Soluço entregam veracidade na trama de ação e fantasia como Fishlegs interpretado por Julian Dennison (o jovem mutante de "Deadpool 2") ou a Cabeça Quente (Bronwyn James, de "Wicked") e seu irmão gêmeo Cabeça Dura (Harry Trevaldwyn, de "Agência"). Em tempo, "Como Treinar o Seu Dragão" é nitidamente uma produção para ser assistida na telona com muita pipoca e a certeza de sair satisfeito com o produto final, pois o longa está simplesmente impecável.


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"Como Treinar o Seu Dragão" (How To Train Your Dragon). Ingressos on-line neste linkGênero: fantasia, açãoClassificação: 10 anos. Duração: 1h56. Direção: Dean DeBloisRoteiro: Dean DeBloisElenco: Mason Thames, Gerard Butler, Nico Parker, Julian Dennison, Gabriel Howell, Hary Trevaldwyn, Bronwyn James, Nick Frost. Sinopse: Na ilha de Berk, um garoto viking chamado Soluço desafia a tradição ao fazer amizade com o dragão Banguela. No entanto, quando uma ameaça surge, a amizade de Soluço com Banguela se torna a chave para forjar um novo futuro.. Confira os horários: neste link

Trailer "Como Treinar o Seu Dragão"



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